Vemos feministas lutando pelo fim das desigualdades entre homens e mulheres e achamos que elas não têm o que fazer, que a mulher já conquistou tudo que poderia conquistar, que hoje ela é reconhecida como igual perante os homens. Mas será que isso é verdade? Gosto muito de bater nessa tecla, pois percebo que esse tipo de pensamento nos leva a uma situação de acomodação preocupante. É um discurso que se fortalece e vai de encontro à nossa realidade. Hoje, nós, mulheres, continuamos a sofrer diversas formas de opressão e não podemos nos calar.
A violência contra as mulheres é um sério problema de saúde e afeta não apenas as capacidades físicas das vítimas, mas também a saúde mental delas. Além disso, traz consequências sociais e econômicas preocupantes. Esse tipo de violência é reflexo de uma sociedade patriarcal e machista em que fortalece as desigualdades de gênero, justificando todos os atos de opressão. Frases como “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” são bastante difundidas e não é surpresa perceber nas estatísticas que boa parte dos crimes acontecem no âmbito doméstico.
A dificuldade em enfrentar esse tipo de opressão é muito grande. As políticas públicas voltadas para reduzir os números da violência existem, mas pouco têm surtado efeito. Um exemplo é a Lei Maria da Penha que não conseguiu reduzir os feminicídios que acontecem no país. Então como resolver esse problema?
Enquanto não mexermos no cerne da questão que é cultural, a situação não mudará. Podem criar dezenas de leis punitivas para os agressores, mas se não mudarmos a percepção deles e da sociedade sobre a mulher os crimes continuarão a acontecer. E como podemos transformar essa cultura machista? Afirmo, sem medo algum, que os meios de comunicação têm um papel fundamental nesse processo. É por meio deles que as pessoas geralmente se informam, tomam conhecimento do que acontece no mundo e formam suas opiniões acerca das coisas que perpassam nossa realidade.
E o que fazer quando a principal emissora de TV aberta do país justifica a violência contra as mulheres, perpetuando a ideia de culpabilização da vítima?
Já falei sobre o discurso extremamente machista da novela “Amor à vida” por aqui. Por lá, a mulher amante quando descoberta apanha e a sociedade aplaude. Independente dela ser uma vilã na história, a violência ali aplaudida não foi pela personagem estar planejando uma vingança, mas pelo simples fato dela ser a amante do macho alfa. Este, por sua vez, não sofre nenhum arranhão. A culpa da destruição das famílias é somente da amante. O homem simplesmente não resistiu aos impulsos sexuais e naturais da sedutora fatal.
Confesso que não acompanho a nova série da globo, “Amores roubados”, mas vi a chamada do episódio de ontem e hoje alguns comentários no facebook, sobre a cena em que a personagem de Dira Paes apanha do marido quando este descobre que ela tem um caso. Mais uma justificativa para a violência contra a mulher. Ela, por não cumprir o acordo monogâmico do casamento, sofre violência e isso aparece como algo muito natural. Mas a violência deve ser naturalizada? De maneira alguma.
Como profissional da comunicação social, percebo o desafio que é romper com o discurso machista e que naturaliza não só a violência física, mas a psicológica e sexual. Seja como nesses dois exemplos acima, seja na difusão sempre crescente de propagandas em que a mulher é um objeto sexual ou pelo fato de exibir/publicar reportagens sobre abuso e violência sexual em que a vítima sempre tem uma parcela de culpa, seja pela roupa que vestia, pelo local onde andava sozinha, por exemplo.
Romper com esses discursos é muito complicado, especialmente quando a sociedade ainda acredita que em briga de marido e mulher ninguém deve meter a colher. Eu digo que deve sim! Na pesquisa do instituto Patrícia Galvão, 54% dos entrevistados conhecem alguma mulher vítima de violência e ainda não devemos interferir nessa situação? Somos responsáveis nesse processo de mudança de percepção da mulher na sociedade. Não temos como ficar inertes diante de números absurdos que apontam que a cada 12 segundos uma mulher sofre violência no Brasil (dados da secretaria de políticas para mulheres).
Apesar de ser um caminho difícil, nadar contra a corrente do machismo, é extremamente necessário que mais e mais mulheres (e homens) unam-se pelo fim da opressão contra a mulher.
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Fontes: http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2013/08/livro_pesquisa_violencia.pdf